Os anos passam e, se nos distrairmos demasiado, mesmo sem o querermos, podemos deixar ficar para trás uma parte importante de nós… durante algum tempo, aconteceu-me isso com a Poesia.
Apesar da minha formação em Letras e do muito que significa para mim a Literatura, nos últimos anos a Poesia foi sendo empurrada para o armário dos fundos da minha existência. Na azáfama do quotidiano é fácil deixarmos de ter tempo para o Belo e para o Sublime. Fácil e estúpido. Mas acontece.
Agora, duas circunstâncias parecem estar a contribuir para mudar isso. Por um lado, voltei a dar um espaço primordial à criatividade, à estética e ao artístico no meu quotidiano. Estou a dar a mim mesma esse espaço, esse tempo e esse direito. Estou a soltar as amarras desse meu lado que deixei encurralado e recalcado por alguns anos. Pelo outro, agora que o Maxi-Puto demonstra um interesse crescente e contagiante pela Literatura, pela Poesia e pela Escrita, uma parte de mim parece querer renascer com o meu Filho. Vem à tona uma vontade enorme de partilhar e redescobrir com ele as palavras que me maravilharam, me surpreenderam e me arrebataram. E é assim que dou comigo a remexer nas minhas memórias poéticas. E a querer descobrir outras vozes da Poesia. Para guardar novas memórias.
Este processo inspirou-me. Inspirou-me não só a partir à redescoberta da Poesia, mas também a partilhar essa redescoberta. Com os meus mais íntimos, mas também aqui no blog com quem nos quiser acompanhar.
Inspirou-nos também para uma coleção temática na nossa loja. Como cada verso é uma pérola e deve ser tratado como matéria preciosa, esta redescoberta inspirou-nos a integrar um “cheirinho” de Poesia nas nossas criações. Para começar, nas nossas joias. Só uns salpicos deste minério precioso. O suficiente para espicaçar a curiosidade, para estimular a reflexão, para desencadear a introspeção, para sacudir a alma…
Os primeiros versos escolhidos para enriquecer a nossa coleção falam de amor. Faz todo o sentido visto que a nossa primeira criação sob o tema da Poesia é um colar de noiva (o “Trovador” de que falámos no post anterior). Os versos escolhidos foram “I carry your heart with me” do poema com o mesmo título da autoria do poeta americano Edward Estlin Cummings (1894-1962) e “E dizê-lo cantando a toda a gente” do poema “Ser Poeta” da nossa Florbela Espanca (1894-1930). Outros virão.
Estes poemas são poderosos. Gritam o amor vindo das profundezas do ser. Sublimam. Arrebatam.
Partilhamos aqui os poemas na íntegra para ajudar a compreender melhor o contexto. Para quem necessitar ou preferir, pode ser encontrada uma versão em Inglês de “Ser Poeta” neste website e uma versão em Português de “I carry your heart with me” neste.
i carry your heart with me (E.E. Cummings)
i carry your heart with me (i carry it in
my heart) i am never without it (anywhere
i go you go, my dear; and whatever is done
by only me is your doing, my darling)
i fear
no fate (for you are my fate, my sweet) i want
no world (for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant
and whatever a sun will always sing is you
here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the bud
and the sky of the sky of a tree called life; which grows
higher than soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart
i carry your heart (i carry it in my heart)
Ser Poeta (Florbela Espanca)
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!